Tornei-me letrado em partir.
Mais ainda em parecer esquecer a quem amei.
Tudo abandonado
ao longo de mares secos,
navegados sob a frieza do meu olhar
a cada partida, a cada adeus,
ditos nas noites e nos dias,
muito desejados e pouco vividos.
Não sei onde aprendi
tamanha destreza em viver
tantos adeus,
fonte inesgotável de tristeza,
companheira de ontem,
timoneira de hoje.
Aprendi tão bem a partir
que, a cada adeus,
deixei a mim mesmo,
em fatias,
cortadas por cada palavra de amor não dita e
coladas em cada rosto amado
com gestos de incompreensão.
Fui quase todo ao mar,
pregado nos amores atirados,
quando ceguei pelo medo nas noites escuras,
quando silenciei nos sustos não gritados.
Assustadora sabedoria
aprendida nesse mar de lágrimas velejado
cujo diário de bordo
registrou a direção de cada partida,
os vários olhares,
além das palavras não ditas
durante o silêncio ensurdecedor
de quem queria ficar,
como se eu fosse o esconderijo seguro dos sonhos maiores,
como se eu fosse o abrigo forte
contra os ventos das perdas vividas.
Com sem socorro involuntário
respondi à dor causada pelas súbitas saídas;
com sorriso singelo e sem graça
escondi a saudade nas inesperadas chegadas.
Sábio esquisito esse que trago em mim:
tantos diplomas recebidos pelos olhares enlagrimados e
fixados na parede do meu destino
como se fossem troféu novo,
ganhos em cada despedida dos amores tidos.
Deixei na rota
olhos repletos de dúvidas nunca esclarecidas,
por quem não soube dar a vida desejada
ou evitar viver a vida não querida.
Naveguei laureado pela ilusão,
mas sempre punido pelo que foi
ao invés de brindado pelo desejado.
Com tanta sapiência,
ao longo da vida,
muitas vezes velejei no mar de lágrimas,
vindas com a chuva nas noites de solidão de quem amei,
vindas com as tempestades de verão nos dias que chorei.
Nessa viagem não soube qualquer gesto possível
capaz de salvar os náufragos dos adeus vividos e
com eles salvar a esperança de bom fim.
Doce maestria que perdeu a utilidade
ao esquecer a senha de resgate dos meus náufragos,
escrita na eternidade dos sonhos,
para que juntos pudéssemos ter alcançado
a terra firme do amor
verdadeiramente amado,
verdadeiramente vivido.
José Saraiva
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