De vez em quando acontece, um dia bem passado. Um dia que é o contrário da vida, porque desde o primeiro ao último momento acordado, passa-se bem, como antigamente se dizia em Angola e cá. Um dia bem passado não pode ser planeado. Mas tem de ser protegido. Um dia bem passado é um dia que se passa quase às escondidas. Parece mais roubado do que um beijo - e tem razão.
Um dia bem passado, como foi o último dia de Setembro para a minha mulher e para mim, tem de meter pargos, lavagantes, ostras e beijinhos.
Na Praia das Maçãs, nos boníssimos restaurantes Neptuno e Búzio, as ostras são sumptuosas.
Mas não as vendem à dúzia e à meia-dúzia, comme il faut. É ao peso, a granel, como eles as compram.
É uma prática que irrita. Mas com toda a delicadeza, claro. Como uma pérola, formada pela irritação de um grão de areia dentro de uma ostra. O peso de uma ostra (a concha mais a carne) nada diz sobre o peso do molusco. Há ostras gordas e suculentas escondidas por conchas minimais e esguias e há ostras minimais e esguias escondidas por conchas gordas e suculentas.
Num dia bem passado o problema mais grave, o que mais dá que pensar, nunca é uma questão mais pesada do que esta, de saber como se devem apreçar os mariscos. E o maior risco que se corre é de nos calhar uma ostra menos cheiinha. Num dia bem passado acabam por ser todas boas. Fica-se tolinho de tanto contentamento. Um dia quando é mesmo bem passado nem faz pena quando acaba.
Miguel Esteves Cardoso,
in 'Jornal Público
(2 Out 2011)'
in 'Jornal Público
(2 Out 2011)'
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