As Desvantagens das Nossas Paixões




Quanto mais um homem se emaranha numa paixão, 
tanto mais os acontecimentos, em si indiferentes, se traduzem para ele em dor,
enganando justamente, pela sua indiferença,
a avidez tensa em que esse homem se encontra. 
Um ambicioso sofrerá porque uma pessoa célebre não lhe reconheceu importância;
essa mesma pessoa célebre tentará insuflar escrúpulos de tentação
a algum evangélico de quem procurará a conversação;
escrúpulos que, por sua vez, irritarão um individualista, 
que será atingido por eles, malgrado seu. 
A inveja, ambição ruminada, está na base de todas as angústias que sofremos.
Não toleramos que uma coisa aconteça indiferentemente, por acaso, escapando à nossa chancela.
Qualquer género de fervor acarreta consigo 
a tendência para sentir uma lei preestabelecida na vida, 
uma lei que castiga os que abusam ou descuram esse mesmo fervor.
Um estado de paixão - mesmo que fosse a embriaguez da absoluta autodeterminação
- organiza e anima de tal forma o Universo 
que toda a desgraça, parece, depois, 
provocada por uma ruptura do equilíbrio vital dessa paixão difusa, 
que, assim, se defende como um corpo vivo. 
E, segundo o temperamento de cada um, teremos a sensação de que abusámos,
ou de que fomos inferiores; de qualquer forma, 
sentir-nos-emos organicamente punidos pela própria lei da paixão e do Universo.
O que quer dizer que todo o fervor acarreta consigo
a convicção supersticiosa de ter de prestar contas à própria lógica das coisas.
Mesmo o fervor de um ateu pela transcendência de uma lei. 


Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"





Nenhum comentário:

Postar um comentário