Segurança Pública se faz com Coragem
Vivemos um momento glamoroso no que diz respeito à figura do Policial. Acompanhamos o sucesso dos filmes Tropa de Elite I e II; temos novos programas sobre violência urbana, onde os astros são policiais em ação, em um formato televisivo recentemente copiado da televisão americana onde as séries como "COPS" e "CSI", dentre outros já fazem sucesso há muito tempo. Assistimos um telejornal que traz o ex-capitão do BOPE analisando o lado técnico das ações policiais, além das recentes coberturas midiáticas em tempo real das ações de confronto no combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Tudo isso acrescido do total apoio da população. As ações policiais demonstram uma das mudanças culturais pelas quais passa a nossa sociedade brasileira, uma vez que até bem pouco tempo na grande maioria das vezes a imprensa costumava retratar o policial como um repressor, corrupto e violento.
Entretanto, apesar destes fatos contribuírem para melhorar a auto-estima do policial que ao longos das últimas décadas vem sofrendo todo tipo de preconceitos por resquícios de pensamentos oriundos dos tempos da ditadura militar, existe o lado perigoso de se acreditar que Segurança Pública é problema exclusivo dos órgãos Policiais. A definição de polícia oferecida por Egon Bittner quando escreveu que: "quando um cidadão afirma: alguém tem que fazer alguma coisa sobre isso, e depressa", resume de maneira simples, direta e verdadeira o conceito de polícia para a grande maioria da população brasileira.
O cidadão comum não entende que as polícias por si só não resolvem os problemas da criminalidade e violência no país. O controle social não é estritamente policial. A Segurança Pública é matéria interdisciplinar e os fatores que contribuem para a atual falta de Segurança no país são fatores históricos, culturais e sociais.
A Constituição Federal preceitua:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares." (grifos meus)
Portanto, Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Então todos têm que ser chamados e encorajados a participar deste processo.
Segurança Pública inicia com a coragem na educação. Primordialmente começando pela educação familiar, passando para a educação escolar, para que o cidadão tenha ciência dos seus direitos e também adquira a consciência de suas obrigações para com a sociedade. A educação deve trazer além do conhecimento, os valores humanos tais como ética, justiça, disciplina, honestidade, solidariedade, verdade, consumismo consciente, ambientalismo entre outros, que são tão importantes para o indivíduo, quanto para a vida na coletividade.
A educação diz respeito ainda quanto à capacitação dos próprios policiais, para isso é necessária modernização das Academias de Polícia que promovam a capacitação do policial tanto para administração e gestão, além é claro da capacitação técnica para que sejam habilitados a exercerem com profissionalismo e adequação o uso progressivo da força, dentro dos limites da lei e da legitimidade. E a educação também no sentido de dar conhecimento e informação às demais entidades do governo, para que conheçam e exerçam efetivamente o seu papel nas políticas de Segurança Pública.
Imperativo se faz que o Estado tenha coragem de promover a integração entre os órgãos de governo para que haja a real eficiência do planejamento e execução dos atos necessários a implementação do atual conceito de que "Segurança Pública se faz com Ações Sociais". É de extrema importância que os entes envolvidos estejam comprometidos, integrados e harmônicos, desde a integração entre as próprias polícias, quanto com os demais órgãos do executivo, além dos outros poderes legislativo e judiciário.
O tópico anterior recai sobre a coragem de modernização da atual legislação brasileira, preenchendo lacunas normativas e proporcionando uma maior eficácia dos procedimentos do ordenamento jurídico, desde o atual modelo do Inquérito Policial, passando pela legislação penal e suas leis de execução no sistema prisional. Estas mudanças não só gerariam celeridade e justiça, quanto definiriam o rompimento do atual pensamento coletivo de impunidade.
Deve ser assegurada aos órgãos de Segurança Pública a autonomia necessária para que possam atuar sem interferências prejudiciais de políticas governamentais, com efetivo e material, além do devido apoio dos demais órgãos necessários, para implementar os Conselhos Comunitários e as Polícias Comunitárias. Da mesma forma é imprescindível o fortalecimento e a modernização da Ciência Forense. É indispensável dotar a polícia de apoio científico e tecnológico o mais avançado possível. É preciso iluminar o inquérito policial e a ação penal utilizando a inteligência e equipamentos de ponta, e isso só é possível com uma Polícia Científica preparada e devidamente equipada.
Ações para a profissionalização e valorização do profissional de segurança pública têm que ser prioritariamente estabelecidas, pois são esses profissionais que estão nas ruas, pondo a própria vida em risco para o cumprimento da árdua missão de proteger a sociedade. Entretanto não se pode acreditar que o policial é o herói fictício da televisão e sim um ser humano que, como todos, também têm direitos e necessita ser ouvido, reconhecido, bem remunerado. Que tenha a qualidade de vida necessária para que possa desempenhar seu ofício (do mais alto interesse público e tão cheio de riscos), com eficácia e eficiência. O Estado, acima de tudo, deve assegurar aos policiais vencimentos dignos, plano de carreira adequado, qualificação permanente, acompanhamento de saúde física e mental, gestão de pessoal e a otimização das condições de trabalho. Vejamos o que diz Ricardo Balestreri:
"O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e qualificando-se como um personagem central da democracia."
Para consolidar avanços na redução do crime e da violência e promover uma segurança pública eficaz é preciso coragem. Não só a coragem do policial, que enfrenta o criminoso no dia a dia, mas a coragem do Estado e da sociedade civil de sair da zona de conforto e implementar políticas de Estado e não de governos. Coragem para combater a corrupção, combatendo ainda as conveniências e os privilégios.
Portanto, o Estado deve se preocupar em promover não só o combate ao crime, como desenvolver políticas de prevenção, garantindo a segurança de forma dialogada e compartilhada. Isto envolve também o aperfeiçoamento da produção de dados e informações refinadas e a sua utilização na formulação, implementação, monitoramento, fiscalização, avaliação das políticas de segurança pública, estratégias organizacionais e principalmente, trazer para todo este processo os demais segmentos da administração pública e da sociedade.
Destarte, diante de toda a dinâmica da humanidade, com seus costumes e sua cultura, nós brasileiros com nossas características peculiares de sermos um povo cordial, intimista, amigo, cumpridor das leis e corajoso, estamos aos poucos filtrando, consolidando e reconhecendo os valores verdadeiros do ser humano. Continuemos todos, Estado e sociedade brasileira firmes e corajosos, empenhados em nossa recente jornada evolutiva perante uma humanidade já tão antiga.
Quem sabe, um dia, sejamos muldialmente reconhecidos como um país no qual o bem prevalece sobre o mal. Assim, por mais utópico que seja este pensamento, se todos nós tivermos a coragem de assumir esta responsabilidade, conseguiremos transformar o filme em realidade, onde o herói sempre vence no final.
Este texto é decorrente das observações pontuais absorvidas na participação na I Jornada Formativa de Direitos Humanos promovida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP. Nessa oportunidade foram travadas amplas discussões com brilhantes profissionais dos demais órgãos de segurança pública do Distrito Federal, tendo como facilitadores experientes pesquisadores do ISER. Estes debates propiciaram opiniões importantes quanto a consolidação da segurança pública no estado democrático e promoveram a elucidação e o fortalecimento de uma visão de segurança pública na qual se desfaça a falsa oposição entre ela e o campo dos direitos humanos.